*"É por ter Espírito que me Aborreço"*

"Auto-Retrato"

É preciso esconjurar, da forma que nos for possível, este diabo de vida que não sei porque é que nos foi dada e que se torna tão facilmente amarga se não opusermos ao tédio e aos aborrecimentos uma vontade de ferro. É preciso, numa palavra, agitar este corpo e este espírito que se delapidam um ao outro na estagnação e numa indolência que se confunde com um torpor. É preciso passar, necessariamente, do descanso ao trabalho - e reciprocamente: só assim estes parecerão, ao mesmo tempo, agradáveis e salutares. Um desgraçado que trabalhe sem cessar, sob o peso de tarefas inadiáveis, deve ser, sem dúvida, extremamente infeliz, mas um indivíduo que não faça mais do que divertir-se não encontrará nas suas distracções nem prazer nem tranquilidade; sente que luta contra o tédio e que este o prende pelos cabelos - como se fosse um fantasma que se colocasse sempre por detrás de cada distracção e espreitasse por cima do nosso ombro.
Não julgue, cara amiga, que eu só porque trabalho regularmente estou isento das investidas deste terrível inimigo; penso que, quando se tem uma certa disposição de espírito, é preciso termos uma imensa energia de forma a não nos deixarmos absorver e conseguir escapar, graças à nossa força de vontade, à melancolia em que caímos continuamente. O prazer que sinto, neste momento, em dialogar consigo acerca deste sentimento é mais uma prova de como eu me procuro agarrar, avidamente, sempre que tenho forças para isso, a todas as oportunidades para ocupar o espírito (ainda que seja referindo-me a este tédio, que procuro combater).
Sempre pensei que havia tempo a mais. Atribuo em grande parte este sentimento ao prazer que quase sempre encontrei no próprio trabalho: os verdadeiros ou pretensos prazeres que se lhe sucediam não contrastavam talvez muito com a fadiga que me comunicava o trabalho - fadiga que a maior parte dos homens sente duramente. Não tenho dificuldade em imaginar o prazer que deve sentir nas suas horas de repouso essa multidão de homens que vemos vergados sob trabalhos desencorajadores - e não me refiro apenas aos pobres, que têm de ganhar o seu pão quotidiano, mas também aos advogados, aos funcionários, submersos pela papelada e ocupados com encargos fastidiosos ou que não lhe dizem respeito.
No entanto, também é verdade que a maior parte desses indivíduos não têm problemas com a imaginação e vêem nas suas ocupações maquinais uma maneira como qualquer outra de ocupar o tempo. E serão tanto menos infelizes quanto mais medíocres forem. Para me consolar, termino com este último axioma: que é por ter espírito que me aborreço.

Eugène Delacroix, in 'Diário'

(*)

Buried at Photocasket.com

6 comentários:

quintarantino disse...

O que eu sei é que todos os dias persisto em me opor ao tédio e aos aborrecimentos.
Uma das maneiras que encontrei é vir aqui ler as belas palavras que escolhes.
Grato pelo apoio dispensado.

Paula Raposo disse...

Um texto excelente (boa escolha a tua), com o qual concordo. Beijos de bom fim de semana.

Bichodeconta disse...

Bonito a forma como escecreve , agradeço a partilha, um abraço, ell

rascunhos disse...

Muito interessante as passagens que escolhes para partilhares connosco.

bom fds e beijinhos

RDSER disse...

Olá, gostei do teu blog,
Já li Eugène.
Magnífico!!!
Bjinhos

kakauzinha disse...

Eu gosto do meu trabalho, aliás, dos meus, porque felizmente tenho mais do que um e nesse aspecto hoje em dia sinto-me realizada.

Não há nada mais salutar do que o cansaço de um dia de bom trabalho, ficamos com o corpo moído mas com a óptima sensação do dever cumprido com gosto e depois o descanso sabe duplamente melhor.

Pena que por vezes tenhamos de penar meia vida para alcançar este estádio, mas lá diz o ditado... mais vale tarde...

Bêjus*******:)))))))9