*Um tostão(zinho) para o Santo António*

Andava um garoto a pedir um tostãozinho para o Santo António. Uns davam, outros não.
Até que passou por ele um senhor de sobretudo comprido, até aos pés, e de sandálias, vejam bem. E se estava frio!
O garoto, cá de baixo, reparou no desconcerto, não deu importância. E vá de pedir:
— Dê-me um tostãozinho para o Santo António…
O senhor do sobretudo castanho todo esfarrapado debruçou-se para o miúdo e, sorrindo, disse-lhe assim:
— Tanto andas tu a pedir como eu. Hoje ainda não me deram nada.
— A mim já — respondeu o garoto. — Quer ver?
E mostrou-lhe, na palma da mão, umas tantas moedas. O mendigo contou-as.
— Davam e sobravam para pagar uma sopa e um pão, ali, na taberna da esquina — observou o mendigo.
— Mas eu não tenho fome — preveniu o garoto. — A minha mãe deu-me de almoçar, ainda agora. O senhor mendigo suspirou e disse:
— Pois a minha mãe já morreu. Deve ser por isso que ainda não comi nada, hoje…
O mocinho olhou para o homem, a certificar-se se seria verdade o que ele dizia. Os olhos tristes do mendigo garantiram-lhe que sim.
Foi a vez de o garoto suspirar:
— Este dinheiro era para eu comprar berlindes…
O homem de sandálias admirou-se:
— Mas tu, há bocadinho, não pedias para o Santo António?
O garoto riu-se:
— É um costume. Quero eu lá saber do Santo António! É tudo para os berlindes.
O mendigo não estranhou a revelação. Percebia-se, a conversa ia ficar por ali. Despediu-se:
— Ainda tenho hoje muito que andar. Adeus e boa colheita.
O rapazinho viu-o descer a ruela, num passo cansado. Então, num impulso, correu atrás dele e puxou pela ponta da corda, que o homem trazia à roda da cintura:
— Tome lá para um pão e para uma sopa. Mas não vá ali àquela casa da esquina, que são uns mal-encarados. Na outra rua abaixo, há mais onde comer.
O homem de sandálias e sobretudo roto, que lhe davam um ar de frade de antigamente, agradeceu as moedas e o conselho e seguiu caminho.
O garoto voltou ao seu poiso. E quando, pouco depois, porque estava frio, meteu as mãos nos bolsos, encontrou-os atulhados de berlindes…

António Torrado in"O mercador de coisa nenhuma"
Porto, Livraria Civilização Editora, 1994

12 comentários:

Ly disse...

Parece que regreso...obrigado pelo carinho...sussurro-te um beijo.

Tiago R Cardoso disse...

excelente...

ANTONIO SARAMAGO disse...

Só me dás um TOSTÃO?
FERRETA!
Mesmo c/ tão pouquinho dinheiro, chega bem para me manter, a amizade não tem preço.

Å®t Øf £övë disse...

Pois é, o mendigo era mesmo o Sto.António, e fez o milagre para retribuir o nobre gesto do miúdo. Deste texto dá para tirar a triste conclusão que se não são os necessitados a ajudarem os mais necessitados, não há quem os ajude.
Bjs.

Pearl disse...

Lindo lindo lindo!!!
:o)))***

JOTA ENE ✔ disse...

Fechaste o outro blog, que se passa ctg?

Tinha lá um premio teu e agora apagaste td, ainda tenho esse premio linkado no meu blog. Foi pena.

Bjs e volta logo.

Nothingandall disse...

Valeu bem o dia, ter passado por aqui e ter lido esta «estória» que não conhecia :)

Å®t Øf £övë disse...

.....oooO.............
....(....)....Oooo....
.....)../. ...(....)..
.....(_/.......)../...
.............. (_/....
... PASSEI POR .......
.......... AQUI ......
......................

mitro disse...

Que bonito!
(Não conhecia!)

JOTA ENE ✔ disse...

Tenho a coleção toda. Que saudades do ESCUDO.

Bjos _____________ fotografado!

Maria Faia disse...

Querida Amiga,
As saudades dos amigos que aqui "deixei" fizeram-me regressar ao vosso convívio, à partilha de belos momentos de Amizade e opinião.
Esta postagem que acabo de ler é belíssima, assim como belíssima é a licção que nos deixa - quanto mais te ofereces aos outros, áqueles que de ti necessitam, maiores são as recompensas de felicidade.
Obrigado Amiga,

Deixo-te com um beijo amigo e solidário e votos de uma semana feliz.

Maria Faia

Å®t Øf £övë disse...

Como não me esqueço de ti, passei por aqui hoje.
Bjs.